Só a tecnologia salva!
Nosso governo está sendo atropelado pela sociedade. Enquanto isso, iniciativas privadas e individuais driblam e superam em ritmo exponencial um sistema obsoleto e ineficiente. Exemplos pelo mundo provam que os problemas têm solução: o uso das tecnologias disponíveis pode melhorar radicalmente a prestação de serviços do Estado à população e aproximar as pessoas do poder público. O movimento GovTech começa a ser discutido no Brasil.
Cristiane Amaral não foi registrada quando nasceu. Nem ela, nem a maior parte dos seus 16 irmãos. A falta de docu- mentos a colocou em situações muito desagradáveis durante a vida. Quando ia ao hospital, por exemplo, logo na recepção formava-se uma roda de curiosos quando ouviam que aquela garota não tinha identidade. Quem era a pessoa da qual não se tinha registro?
Entre muitas outras descrições possíveis, ela era uma jovem que, aos 16 anos, perdeu a mãe. Como dona Arlete também não tinha nenhum documento pessoal, foi enterrada como indigente. Em sua certidão de óbito, consta apenas: “Faleceu uma mulher de cor negra de câncer de pulmão”. Cristiane ficou arrasada ao ver a mãe terminar a vida assim, como se não fosse uma pessoa, e decidiu mudar sua história.
Naquele dia, ela começou uma saga que duraria duas décadas. Foram anos peregrinando por órgãos públicos no Rio de Janeiro, assinando papéis, juntando testemunhas. Tudo para conseguir provar sua existência. Hoje, aos 38 anos, Cristiane tem um RG. Perante o governo brasileiro, ela agora existe oficialmente. Pode abrir conta em banco. Tem uma carteira de trabalho. Vai votar nas eleições pela primeira vez em 2018. Já não precisa mais contar sua história de vida em cada hospital.
Cristiane lutou tempo demais por um direito fundamental e para, como ela diz, conquistar sua dignidade. Sua história é o retrato de um governo burocrático e pouco eficiente. Um Estado que cria tantas barreiras para a sociedade acaba por dificultar o acesso das pessoas aos serviços mais simples. Mudar essa realidade no país talvez seja um dos nossos maiores desafios, e essa discussão tem ganhado uma nova perspectiva com o uso da tecnologia. Poderiam as plataformas digitais e soluções inovadoras facilitar de fato os processos e melhorar a qualidade dos serviços prestados pelo Estado à população?
Tem muita gente acreditando que sim. São os defensores do movimento GovTech Brasil. O tema ganhou um espaço de debate durante o evento GovTech Brasil: Construindo uma Agenda Digital para o Setor Público, que aconteceu no início de agosto em São Paulo por iniciativa de três pessoas com experiências bem diferentes. Luciano Huck, apresentador de televisão e fundador da Joá Investimentos, Letícia Piccolotto, presidente da Fundação Brava e fundadora do BrazilLAB, um hub de inovação que conecta empreendedores com o poder público, e Ronaldo Lemos, fundador do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro. O três se juntaram com o objetivo de levar essa pauta até a sociedade – e iniciar uma discussão que não deve acabar tão cedo.
Huck enxerga uma situação peculiar no país: a sociedade civil é muito mais conectada que o poder público, e essa diferença pode se tornar um problema. “Se o governo for mais atrasado do que a sociedade, não vai mais ter legitimidade para governar”, diz. Ou seja, será basicamente atropelado pela população. Para ele, é preciso colocar essa pauta como prioritária na construção de uma agenda para o país, evitando que o governo fique cada vez mais para trás. Não à toa, o evento aconteceu dois meses antes das eleições e foi encerrado com a participação de presidenciáveis, que falaram sobre suas visões e propostas sobre a inovação no setor público.
>>Confira aqui a matéria na íntegra que saiu na revista Trip de setembro de 2018<<