GovTech Brasil 2º dia – debates sobre a realidade e o futuro da inovação
Assim como aconteceu na segunda (06/08), o segundo dia de GovTech foi repleto de debates de alto nível sobre inovação no setor público. Dessa vez, o foco foi dirigido ao contexto brasileiro. Nas palavras de Letícia Piccolotto, fundadora do BrazilLAB e presidente da fundação BRAVA, “enquanto, no primeiro dia, tivemos exemplos globais de GovTech, no segundo, a ideia foi traduzir esses exemplos para a realidade brasileira”. O objetivo geral foi apontar caminhos para a transformação digital do país, em diversas áreas.
Logo no primeiro painel, intitulado “Fortalecimento do ecossistema brasileiro de inovação”, convidados de peso trocaram ideias sobre os obstáculos para essa transformação. Armínio Fraga, ex-Presidente do Banco Central e Sócio-fundador da Gávea Investimentos, defendeu uma “ampla reforma do estado” para que a inovação no poder público realmente aconteça.
Inovar é lidar com o erro
De acordo com ele, essa reforma deve ter dois eixos principais: “o primeiro é o campo de gestão, que precisa de métricas e metas; não temos isso”. O segundo ponto relaciona-se ao RH, a como o Governo lida com funcionários. “É preciso uma mudança de atitude. O cidadão é um cliente do estado, isso precisa ser entendido. Vejo uma imensa oportunidade de transformações que levem a uma cultura de mérito, de oportunidade. Temos que governar com impacto”, afirmou Fraga.
Marcos Lisboa, Presidente do Insper, foi pela mesma linha: “o estado tem que atrapalhar menos, parar de proteger indústria velha. Isso impede o surgimento de novas tecnologias”. De acordo com ele, inovar requer aprender a lidar com erro e aceitar fracasso. Você não vai ter inovação industrial se não tiver reconhecimento rápido do erro. Vinicius Carrasco, Economista da Stone-Co, apontou o caminho: “catch up innovation. Temos que copiar o que está dando certo lá fora”.
Prontuário único
O segundo painel do dia foi dedicado à inovação na saúde pública. Patricia Ellen, Presidente da Optum — empresa de serviços de saúde e inovação –, falou sobre desafios como o impacto da “tripla carga” no sistema de saúde: doenças velhas, doenças novas e violência. Para atenuar esse impacto, ela defendeu não o prontuário eletrônico, mas um “prontuário único, com todos os dados consolidados de um paciente, integrados em um só lugar”. Isso facilitaria imensamente a atuação de profissionais de saúde.
Gonzalo Neto, médico e professor da USP, concorda. “A boa medicina é feita de 4 E’s: Escutar, Examinar, Explicar e Escrever. Se não escrever, os outros profissionais não vão saber o que acontece com o paciente. Por isso, o prontuário único é mandatório.”
Elizabeth Jucá, Secretária de Saúde de Juiz de Fora (MG), falou da experiência bem-sucedida de inovação na saúde do município. “Precisamos atuar na prevenção, e monitorar os pacientes é fundamental. Para isso, trabalhamos com um aplicativo chamado Cuco, que foi acelerado pelo BrazilLAB. O app avisa ao paciente da hora do tratamento, dos remédios, e gera dados sobre diagnósticos para a prefeitura. Em uma semana, tivemos 1.500 downloads”.
Paixão pelos problemas
A seguir, foi a vez do israelense Uri Levine, co-fundador do Waze, subir ao palco para falar de sua experiência como empreendedor serial. Na camiseta que ele vestia, estava estampada a frase que deu a tônica da palestra: “apaixone-se pelo problema, e não pela solução”.
De acordo com ele, a paixão é, de fato, a força motriz de um empreendedor. Pois “só apaixonado o empreendedor conseguirá enfrentar a jornada longa e cheia de falhas que terá pela frente”. Numa fala que conectou-se à de Marcos Lisboa, do Insper, Levine frisou a importância dessas falhas: “o empreendedor vai tentando, tentando, e errando, até encontrar algo que funciona. Mas é preciso tentar algo totalmente novo. É preciso aceitar falhar”.
E compartilhou a jornada de criação do Waze, que foi muito complexa. “Enfrentamos um período de falta de tração, em que o produto não estava bom o bastante. Fomos falar com motoristas, fizemos consultas durante todo um ano para descobrir o que estava errado. Colocamos foco total nos problemas, e só então conseguimos aprimorar o produto,” completou ele.
Big Data contra a violência
No começo da tarde, a pauta foi a inovação na segurança pública. Ilona Szabó, Diretora Executiva do Instituto Igarapé, trouxe dados alarmantes, que comprovam a urgência de novas soluções para antigos problemas do país: 62 mil homicídios por ano, sendo 70% deles cometidos com armas de fogo, e o custo econômico da criminalidade estimado em 4,38% do PIB.
De acordo com Ilona, para transformar esse cenário por meio da inovação, o Instituto Igarapé está botando a mão na massa. Como? Por meio de iniciativas como o Crime Radar, sistema de predição de crime semelhante à previsão do tempo, com dados precisos sobre a possível ocorrência de crimes em regiões e horários específicos. Isola Szabó falou também do Observatório de Prevenção da Violência, uma plataforma que associa informações dos vários serviços de atendimento da prefeitura, como educação, assistência e saúde, para localizar indivíduos e famílias mais vulneráveis a se tornarem vítimas ou perpretadores da violência.
A seguir, Raul Jungmann, Ministro da Segurança Pública, manteve o tom alarmante. “A exemplo do que aconteceu com a superfinflação de algumas décadas atrás, ou enfrentamos o problema da segurança pública, ou ficará cada vez mais difícil. Precisamos de respostas já, e urgentes.” De acordo com ele, uma importante medida é o sistema único de segurança pública, que “é possível construir com tecnologia”. Isso daria mais transparência a um setor marcado pela “opacidade”.
Além disso, a tecnologia deve ser utilizada na prevenção do crime. “Precisamos mudar a filosofia de prender, prender e prender, porque isso alimenta o monstro do crime organizado. A informação, os dados têm que mudar isso, gerar prevenção social para interromper o fluxo de encarcerados.”
Obstáculos legais
A seguir, foi a vez de especialistas em direito trocarem ideias e propostas sobre um ambiente regulatório que favoreça a inovação. E o consenso foi de que as políticas públicas, nesse sentido, têm que ser de estado, e não de governo.
Vera Monteiro, professora da FGV Direito, falou das dificuldades de contratação de inovação por parte do poder público. “Vejam o exemplo do Estado do Rio Grande do Sul, que tentou liberar softwares abertos. Depois de uma longa batalha, a decisão final a favor só veio 13 anos depois pelo Supremo Tribunal Federal”.
De acordo com ela, muitas complicações devem-se à lei 8666, de licitações e contratos. “Criada em 1993, essa lei não foi pensada para se comprar tecnologia. Ela tem total inspiração dos anos 80, e coloca muitos obstáculos nessa contratação.”
No entanto, de acordo com a professora da FGV, a saída não é mudar a legislação. “É melhor pensarmos a partir de uma lógica diferente. É possível pensar que cada município, cada estado, por meio até de decreto, possa realizar contratos experimentais, baseados na experimentação,” sugere ela.
6º painel – Educação: capacitação para as lideranças do amanhã
No penúltimo debate do dia, o tema foi o uso da tecnologia na educação. Ricardo Paes de Barros, Economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e Professor do Insper, refletiu sobre a importância de professores e profissionais da educação saberem usar a tecnologia. “Tecnologia flexível na mão de alguém que entenda de um problema sempre deve ajudar.” E usou dados para comprovar: “quando bem usada, a tecnologia contribui para elevar o aprendizado do aluno em oito pontos na escala SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica), que é mais ou menos a metade de tudo o que o aluno aprende ao longo do ensino médio”, completou Ricardo.
Já Denis Mizne, CEO da Fundação Lemann, alertou para a crise de aprendizagem. “No final do ensino médio, só 7% dos alunos sabem matemática no nível que se espera dele, e 40% evadiram da escola”. Além disso, há o problema da massificação: “numa sala de aula, o aluno que está muito avançado fica na mesma ‘massa invisível’ que o aluno que está muito atrasado. Isso é um problema grave, porque alunos não aprendem dos mesmos jeitos”.
Diante desse cenário, Denis defendeu que a tecnologia sirva para oferecer caminhos diferentes de ensino. “O poder que a tecnologia traz para abrir caminhos para esse aprendizado é extraordinário. Softwares e jogos que podem ajudar o professor a encontrar esses novos caminhos,” concluiu.
O que vem por aí?
Na conclusão do 2º dia — e do evento –, a pauta foi o futuro de GovTech. Candidatos à presidência do país foram convidados a compartilhar, com Luciano Huck e a platéia, suas visões a respeito da tecnologia e da inovação no setor público, e ouvimos atentamente cinco deles: João Amoêdo (Novo), Guilherme Boulos (PSOL), Henrique Meirelles (MDB), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede).
Amoêdo falou sobre transferência de poder: “queremos usar a tecnologia para devolver o controle para as pessoas. A plataforma tem que ser de prestação de serviço e, com a inovação, isso vai implicar tirar poder do governo”.
Tanto ele quanto Guilherme Boulos concordaram que é preciso investir na identificação digital para todos os brasileiros. O candidato do PSOL falou também da universalização do acesso à internet e do uso da tecnologia para aumentar a participação popular no governo.
O discurso de Alckmin e de Meirelles foi pelo mesmo caminho: tecnologia para simplificar e desburocratizar a vida dos cidadãos. O candidato do PSDB também afirmou que vai universalizar o acesso à internet. E Marina Silva encerrou mencionando iniciativas inovadoras que pretende adotar em relação ao meio ambiente, como controle de queimadas e redução de desmatamento.
Encerrou-se, assim, a primeira edição do GovTech: debatendo-se a fundo os desafios do presente e apontando caminhos para o futuro. E em breve, publicaremos por aqui um artigo com um balanço geral do evento.